Nem de Caloi, nem de Monark… estamos indo a pé e sufocados
Não faz muito tempo e o Flow Podcast questionou se ter opinião racista seria crime. Sabe o que aconteceu? Faturou o Prêmio Ibest de melhor podcast 2020, indicação ao Prêmio MTV Millennials 2021 e depois indicação ao Prêmio Ibest 2021. É a resposta do mercado e dos consumidores. Estamos a pé e sufocados.
Foto: Paulo Rebêlo / Paradox Zero / Reprodução autorizada.
Parece que tudo se complica para o youtuber Monark que só jogava videogame e resolveu ter opinião formada sobre tudo, exercitando o que ele chama de liberdade de expressão.
Esta incerteza é triste, mas, no Brasil que vivemos, esse cidadão só vai para cadeia se ocorrer um verdadeiro levante nacional. Se for apenas por indignações como a minha — e tantas outras que vemos nas redes sociais — afirmo com tristeza que nada acontecerá com o tal opinador.
A grande massa já delimitou suas prioridades. Estão cheias de tempo para cuidar do dia a dia dos “brothers” e nada mais. O professor Vladimir Safatle, o psiquiatra Christian Dunker e o psicólogo Nelson da Silva Junior poderiam apontar esse comportamento como um sintoma dos males psíquicos que o neoliberalismo causa. Concordo com eles.
Estamos anestesiados, sufocados pela rotina multitarefas que nos impomos e não queremos o confronto direto. Seria perder o foco. Preferimos permanecer inertes às questões humanitárias, mesmo sendo humanos, e aguardar o vencedor definitivo dessa contenda da existência.
Tomar partido é se arriscar, entrar para o lado que pode perder.
Não importam nossas convicções, o que vale é não ser marcado pelo lado contrário como um inimigo. Ter inimigos poderosos, na era das redes sociais, deve ser muito difícil mesmo. Todos os dias milhares de e-mails ofensivos, robôs atuando nos seus perfis, invasores, vírus, tudo que possa atrapalhar e lhe causar danos morais e materiais.
O Flow Podcast, sob o comando do opinador, em 2020, questionou se ter opinião racista seria crime. Sabem o que aconteceu? Prêmio Ibest melhor podcast 2020, indicação ao Prêmio MTV Milenials 2021, indicação ao Prêmio Ibest novamente em 2021. Esta é a resposta do setor que, se fosse sério, não cogitaria nem a participação de um programa deste nível em suas premiações.
As pessoas clamam por um país sério, dizendo que se fosse na Europa ele estaria preso por fazer apologia ao nazismo como recentemente o fez. Só esquecem de refletir que um país sério é composto de pessoas sérias.
Que paradoxo é esse que as autoridades públicas devem punir e as entidades privadas premiar? Quem sabe se em 2020 uma punição exemplar das autoridades, do segmento e dos ouvintes tivesse efetivamente acontecido, quantos atos racistas poderiam ter sido inibidos.
Talvez o que aconteceu com o congolês Moïse Kabamgabe, que apanhou até a morte, por cobrar seu pagamento de R$ 200 (duzentos reais!) não seria parte da nossa tristeza e indignação. Poderia ter inibido a atitude do casal Jhonnatan Silva Barbosa e Ana Paula Vidal que, na cidade de Açailândia, no interior do Maranhão, resolveram espancar Gabriel da Silva Nascimento, um jovem bancário negro, achando que ele estava roubando um veículo. O carro era do próprio Gabriel, que foi espancado pelo casal em frente à sua casa.
Como em 2020, o caso do opinador não teve a punição exemplar da parte do setor público, do setor privado, tão pouco da audiência. E o podcast cresceu. Impulsionamos os racistas e o que era uma simples opinião no podcast, agora amplia o peso da rotina dos negros brasileiros, levando-os a morte, inclusive.
Nesse meio tempo entre a opinião racista do opinador e esses tristes acontecimentos, a Folha de S. Paulo dava espaço para colunistas racistas em seus artigos de “opinião”. Assim Leandro Narloch escreveu o texto O luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’ precisam inspirar o movimento negro. Com teor altamente racista e autorizado pelo jornal.
A postura do periódico fez com que a grande Sueli Carneiro deixasse o conselho editorial da Folha.
Se a Folha de São Paulo fosse séria, já que todos estamos cobrando seriedade, modificaria sua postura, assumiria o ato falho. Contudo, alguns meses depois, o mesmo jornal publica “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, de Antônio Risério, texto que vem na tentativa de corroborar com a falácia do racismo reverso, que efetivamente não existe.
Percebemos que não há interesse na solução de um problema crônico do país. Para um jornal de massiva circulação e audiência de seguidores, vale mais entrar para os “trending topics”, ou “assuntos mais falados” nas redes sociais, mesmo que seja criminoso.
Vamos voltar mais alguns anos, quando aconteceu aquele bárbaro crime do goleiro Bruno que deu partes da própria namorada para os cachorros comer em 2010. Se nesse momento fossemos pessoas sérias, se a imprensa fosse séria, se o meio do futebol fosse sério, se as redes sociais fossem sérias não haveria apenas a punição pública. Dos 20 anos aos quais foi condenado, cumpriu apenas 9 em regime fechado e em 2019 já estava com perfil nas redes sociais com mais de 40 mil seguidores e clubes se interessavam em contratá-lo.
Em vez de intensificar a luta contra o feminicídio, que só piorou de lá para cá, todos os setores permitiram sua reintegração como se nada tivesse acontecido. Mais seriedade no caso poderia, talvez, evitar o ocorrido há poucos dias, quando Gabriel Henrique Santos Masioli enforcou Antonieli Nunes Martins, grávida dele, enquanto estavam deitados na cama de conchinha, para evitar assumir a criança que ela esperava neste relacionamento extraconjugal.
Portanto, quando vejo um meme antinazista circulando, depois do ocorrido com o opinador dizendo que para nazista é soco na cara, eu paro e observo o mundo real, e observo que os grupos neonazistas no Brasil cresceram 200% no último ano. Aí me pergunto. Quando vamos começar a bater? É preciso recordar que antes do opinador do Flow Podcast demonstrar sua faceta suástica, em 2019 o primeiro Secretário de Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, imitou Goebbels, braço direito de Hitler e nada aconteceu com ele, apenas perdeu o cargo.
Não faço apologia à violência, o bater aqui é a luta efetiva no campo do Direito, que precisa acontecer. A triste convicção que revelo é que nosso sistema de justiça está completamente comprometido. O nosso judiciário está precarizado, rendido a interesses que não sei revelar. Posso afirmar que não tem pulso, não tem força, está amedrontado para comprar briga pelas causas humanitárias urgentes do Brasil.
Existem outras preocupações urgentes como o pedido da diretora da Associação dos Magistrados Brasileiros, a juíza Renata Gil, ao Ministro do STF, Luiz Fux, para o aumento do piso salarial dos magistrados para R$ 54.000,00. Num país em que se come osso há mais 60 anos, os juízes se dizem mal remunerados e acumulando perdas ano após ano, clamando assim por justiça.
Não vejo a mesma Associação solicitando do governo federal, do poder legislativo ou de seus pares no âmbito do STF, políticas públicas contra o racismo, o feminicídio, contra a apologia ao nazismo, ou mesmo para o enfrentamento aos ataques às terras indígenas.
Estamos a pé, como diria meu avô Euclides.
O jeito talvez seja nos aproveitar disso, nos mexer, nos encontrar, andar lado a lado e exigir dos servidores: políticos e juízes, que executem seu trabalho da forma correta. Não aderir a onda de idolatria dos nocivos, nas redes sociais.
O brasileiro precisa ser humanizado, parar de achar que nossos problemas são: preço da gasolina, cotação do dólar e a corrupção. Não nego que sejam problemas crônicos, que nos prejudicam no bolso e na mesa. Por que nos preocupamos com dinheiro e não com as vidas?
Morreram mais de 700 mil pessoas de Covid19 e o presidente permanece firme. Por algumas pedaladas com dinheiro público, que nem foram pedaladas com uma bicicleta Monark, teve presidenta que perdeu o posto. Dinheiro nem todos nós temos; quem tem, pode perder, mas também é possível recuperar, mas vida é uma só.
1 Comentário
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Oi, Ricardo. Adorei seu texto. Você descreveu muito bem o raio-x da nossa sociedade atual. Concordo com seu vô Euclides. Estamos a pé. Tomara tomemos consciência pra andar juntes, lado a lado. Um abraço.