Do Big Bang ao Big Brother, a minha brevíssima história da humanidade

A verdadeira onipresença é do Big Brother Brasil: basta entrar no elevador ou chegar em qualquer loja, todos vão lhe atualizar das novidades.

Susana Barros

Adoro o Big Brother Brasil, quem não gosta? Curiosamente, não costumo assistir. Vi aquele do Bambam e aquele do Jean e da Grazi. E por que não assisto? Porque basta entrar no elevador, comprar frutas no mercado ou juntar-se a uma mesa de bar para saber quem são os vilões e os bonzinhos, quem pagou mico na festa e quem transou com o Fiuk.

Se a conversa não rolar logo de cara, existem umas frases mágicas: quem é o líder desta semana? Quem foi para o paredão? Quem foi eliminado? Em resumo: o Big Brother substituiu, com louvor, a meteorologia, a política e a religião, mas não o futebol, este ainda caminha com suas próprias pernas e vai bem, obrigado.

E eu cá pensando nesse fenômeno, naquele bando de gente confinada num lugarzinho até razoável, monitorados 24h ao dia, por mais ou menos uns três meses, constatei que todos os dilemas, sobretudo existenciais, começam e terminam quando deixamos de ser únicos.

Certamente deveria ter lido 1984 para embasar o argumento, mas recentemente li A Revolução Dos Bichos, Admirável Mundo Novo e partes da Bíblia; creio que dê no mesmo. Porém, se estamos falando de existência, é necessário voltar ao ponto onde tudo começou: o pipoco inicial. Prometo ser breve, brevíssima.

Como sabe, no início era o Nada. Daí, do Nada, um ser Todo Poderoso, que logicamente também apareceu do Nada, criou a Luz. Temos, assim, o primeiro caos universal: Luz e Nada não se cruzam, não convivem em harmonia e, insatisfeito com isso, o mesmo Poderoso criou o céu, que servia como uma espécie de comunicação entre a Luz e o Nada e, existindo em ambos, levava recados de um para outro, em tempos de ódio e em tempos de amor.

O Todo Poderoso que, se me permite, agora vou chamar de Deus, percebeu que o conflito inicial era bem mais divertido do que a paz celestial, então criou a água, a terra seca e a vegetação, acontecimentos que incialmente não continham muito propósito, mas, dois dias depois, seriam explicados, confie.

Em seguida, e aí é muito confuso pois, definitivamente, dormi nessa aula, Deus criou os corpos celestes: estrelas, sol, lua. Como isso foi possível? Como existia Luz antes dessas invenções? Até onde alcanço, isso a física não esclarece. Contudo, pensando bem, que arrogância a minha! Todos sabem que Deus é desses de fazer milagres, ou seja, coisas que não necessitam de explicação.

De todo modo, no outro dia, a história fica mais animada: Deus criou os peixes e os pássaros – e talvez os insetos – o que explicou a terra e a água, igualmente permitindo que começasse a comilança, literalmente: o pássaro, num voo rasante sobre as águas, fisgou um peixe, porque, do contrário, morreria de fome, quando quem o comeria seria a terra que, consequentemente, alimentaria as plantas.

Deus, entretanto, não é desses caras só do literal e, assim sendo, inventou os animais terrestres, que não voam. Nessa mesma pegada incluiu o homem e, a fim de gerar mais conflito, adicionou a mulher. A partir daí, comer, também adquiriu sentido metafórico.

Isso, no entanto, não se deu por parte do homem ou da mulher, porquanto apesar de Deus ordenar que se reproduzissem, eles não demonstraram nenhum interesse. Afinal, a princípio não existiam católicos, pentecostais, espíritas, xamãs e todos os outros seres semelhantes a essas espécies e tudo, absolutamente tudo, era divino, e o homem e a mulher ficavam somente comtemplando a natureza, conversando com as pedras, as formigas, os coqueiros…

Em vista disso, para criar um burburinho, a cobra teve que aparecer, atentar a mulher e, trocando em miúdos, fazer a roda girar (metaforicamente, é claro, a roda demoraria alguns séculos para aparecer). E, como naquele tempo não existia cachorro (eles só foram concebidos milênios depois), cabia a cobra farejar o mato.

Seguindo atentamente o rastejar da serpente, a mulher deu de cara com a Árvore do Conhecimento. A mulher cheirou, comeu um pouquinho – não deu pra fumar porque ainda não existia fogo – mas, gostando do fruto, levou para o homem. Foi o que bastou. Tudo começou a dar certo, uma vez que, como deduzo que saiba, maconha e sexo é uma duplinha muito bem sucedida.

Deus os expulsou do paraíso. A partir daí sabemos de cor e salteado: rolou uns incestos, um irmão matou o outro, Deus mandou acabar com a festa toda. Noé, porém, salvou uns amiguinhos. Apareceu um tal Abraão, depois Jacó, entretanto, quem se destacou mesmo foi Moisés, abrindo mares e deixado claras instruções sobre o que deveríamos ou não fazer e, se me consente, aconselho que as siga, de outra forma, vai precisar da pontaria certeira e da habilidade de pular numa perna só para chegar ao céu.

Depois de Moisés, reis e profetas se proliferaram, no entanto, não se discute muito essa parte porque é uma chatice. O importante a ser destacado é que foi mais ou menos por volta desse período que surgiram os egípcios e os mesopotâmicos, uma evolução tremenda, perceba: o que era ‘o indivíduo’, logo transformou-se em ‘o outro’ com o advento da mulher, que além da exclusividade, roubou-lhe também uma costela. O fruto proibido, como já elucidado, permitiu a formação de uma família (e creio que Caim foi a primeira encarnação de Freud, o que explica a obsessão edipiana posterior).

Segue a sequência do que aconteceu daí em diante: clã, tribo, cidades, nações. Adicione à formação das sociedades algo ainda mais engenhoso: a partir da dominação do fogo, os humanos atentaram-se para o fato de que também poderiam dominar a terra, a água e o ar e, ousados, bolaram a agricultura, domesticaram plantas e animais e resolveram, de uma vez por todas, parar de caminhar a esmo.

Se não existia crossfit naquela época, havia as histórias e, uma vez inventada a linguagem, a fofoca começou a rolar solta. Desde esse tempo, eles se perguntavam com quem Fiuk iria transar, em virtude de conseguirem prever passado, presente e futuro. Assim, mesmo sedentários, não engordaram, afinal, falar cansa, e muito.

A escrita não tardou a aparecer, bem como o dinheiro universal, um achado e tanto, dado que se trata de um sistema em voga até hoje. Importante destacar que a terra já tinha alguns donos. Não toda a terra, nesse primeiro momento, mas uma quantidade suficiente para dar coerência, séculos depois, ao concebimento do Belchior e, talvez, do Boulos.

Pouco tempo depois surgiram os gregos e nascia a reflexão, a retórica, outros deuses e uma caixinha contendo todos os males da humanidade, o que, basicamente, reafirmava a culpa da mulher, responsável por toda bagunça. Os gregos inventaram muitas coisas e devemos a eles boa parte dos mandamentos sobre como ser um ocidental. Cabe ressaltar o termo ocidental pois, da outra banda, nada entendo.

Logo, o terreno estava preparado para o surgimento de um avatar, ou melhor, do Avatar. Histórias como a de Gilgamesh e Ulisses já existiam, entretanto, somente um homem forneceu aos habitantes da terra a completa assimilação da Jornada do Herói. Particularmente, sou muito fã desse cara, e, de acordo com o que descobri até agora, Ele era realmente foda! Foda nível Buda, feito para pouquíssimos. Por consequência, se a linguagem permitiu a consciência da existência, e se os gregos trouxeram a reflexão em torno dela, esse cara deu ‘o sentido’, a pitadinha de sal que faltava.

Já estamos perto do ponto no qual quero chegar e, apressadamente, vou apenas citar mais algumas chatices para chegarmos logo ao Projota e companheiros: Idade das Trevas (que nem foi tão chata assim graças a Netflix e aos Vikings); Idade das Luzes (Revolução Industrial; Conquista das Américas; Revolução Científica; Extinção em Massa de Plantas e Animais; Estado e Mercado; Marx; Nietzsche; Papel Higiênico); Modernidade e Contemporaneidade (Jung; Hitler; Superação dos Limites do Planeta Terra; Inteligência Artificial; Hippies; Paulo Coelho; Copa de 94; Collor; Facebook; Big Brother; Obama; Lula; Tinder; Trump; Corona Vírus; Happn). Claro que grandes nomes, invenções e eventos ficaram de fora dessa lista. Todavia, em resumo, é isso aí.

Chegamos, portanto, no momento presente e você deve estar pensando que, além de plagiar o Harari, não falei nada sobre os coadjuvantes, digo, aqueles que estão ali só para observar o desenrolar dos fatos, sem interferir muito, como o Carlos Farah e o João Luiz Pedrosa.

Quem?! Pois é, um fazendeiro e um professor de geografia, e ninguém está nem aí para eles, a não ser os próprios. E é exatamente esse o pulo do gato da Jornada do Herói: mocinhos ou vilões, coadjuvantes ou telespectadores, passam pelas mesmas etapas.

Camarote, Pipoca, TV aberta e Pay-Per-View se encontram, inicialmente, em uma situação cômoda e até monótona chamada, habitualmente, de ‘o mundo comum’. Essa confortabilidade logo é quebrada com a chegada da segunda fase, ‘o chamado à aventura’, quando nasce o conflito e também a missão que o tirará da sua zona de tranquilidade. O desafio pode vir na forma de um problema, um evento desagradável, ou um e-mail aceitando a sua solicitação para participar da edição 22.

Inicialmente, diante de uma grande provocação, há ‘a recusa’, ou você não acha que Carla Diaz estava morrendo de medo de que o resto da casa pedisse para que ela ficasse repetindo, dia após dia, “Inshalá, muito ouro”?!

Em seguida, no entanto, vem o mentor, para dar um empurrãozinho, e cada um tem o seu, que pode ser o próprio Avatar, uma avó meio caduca ou a Cléo Pires, ansiosa para ver a desgraça do irmão. De todo modo, é nesse momento que criamos confiança para resolver os conflitos e encarar a competição.

Assim, chegamos na fase da ‘travessia do primeiro limiar’, as portas da casa são abertas e as câmeras são ligadas. Como ansiamos por esse momento! E estamos radiantes, uma vez que, na sequência, é chegada a hora das ‘provas, aliados e inimigos’, testando as habilidades de cada um e possibilitando aos heróis descobrirem quem serão seus coligados ou seus oponentes.

Após, há uma ‘aproximação da caverna secreta’, e essa já é a sétima fase, abrangendo o momento em que o herói volta aos questionamentos iniciais, acarretando um recuo, uma saída dos holofotes, para que a provocação seja ainda mais magnífica.

Essa etapa é semelhante ao paredão falso, como quando a Ana Paula (BBB16), internalizou forças e mostrou ao grande público a intensidade do que estava por vir.

É obvio que essa fase, aliás, todo esse processo, é uma cópia cagada e cuspida da tal ‘Caverna de Platão’, e está aí para nos explicar que, em dias atuais, predomina a opinião rasa, superficial, inútil, que nos arrasta, cada vez mais fundo, para a ignorância.

Assim, alegoricamente, o “Olha Ela!” é a ‘provação’, o oitavo passo, simbolizando a transformação, algo possível quando o indivíduo está ciente de que existe outro modo de conhecer, de saber. Dessa forma, ao observar a partir de uma nova perspectiva, Ana Paula retornou à casa mais poderosa do que nunca.

Sem dúvidas, você se deparou com situações semelhantes. É provável que elas não tenham sido exibidas em rede nacional, tampouco você virou blogueirinho por causa disso, mas, acredito que não há como escapar dessas etapas.

Para tanto, é preciso que entenda: você só é telespectador, coadjuvante ou da turma dos vilões a partir da percepção do outro, visto que, enquanto único, você é, na maioria das vezes, herói ou heroína da sua própria história. Não é à toa que você se crucifica tanto. Aliás, o que seria do Mártir sem o martírio? Portanto, decore esses nomes: Carlos Farah e João Luiz Pedrosa, eles existem e fazem parte do BBB21.

A parte boa dessa trajetória é que, na nona etapa, vem a ‘recompensa’, isto é, a transformação em uma pessoa mais forte, que pode ser representada pela reconciliação da Juliette com a Conká, vitória da prova de resistência ou receber um PlayStation 5.

A Jornada, no entanto, não chegou ao fim, e o ‘caminho de volta’ é um momento de reflexão. Eu me pergunto, constantemente, sobre quem faz o discurso de eliminação. Certa vez escutei Pedro Bial proferindo algo que foi da Índia à Austrália, passeava por elefantes em nuvens e ainda fazia merchandising do milkshake do Bob’s para, em conclusão, apenas dizer: “Carla, você está eliminada”. Seja lá quem escreveu isso, admiro e, quando crescer, quero ser igualzinha.

O retorno tem sabor de missão cumprida, cheiro de perdão e reconhecimento, ainda que seja somente por parte da Ana Maria Braga.

Minto. Talvez a Ana Maria esteja bem mais ligada ao processo de ‘ressureição’: a batalha final, quando o inimigo ressurge das trevas. Caso destrua-o, e eventualmente até a Conká conseguirá, será definitivo. Uma total mutação não somente para ela, mas para todo o seu povo.

Depois, há ‘o retorno com o elixir’, a derradeira etapa, representada pelo retorno ao lar, herói reverenciado e o prejuízo de todos os que o agouraram, etc.

Confesso que tive que pesquisar o que significava ‘elixir’ e descobri que, dentre outros, refere-se a: remédio que cura todo tipo de doença; aquilo que é capaz de fazer milagres; cachaça. Seguramente, voltar para casa disposto a compartilhar qualquer um desses itens é consagração garantida em toda a comunidade.

Creio, contudo, que existe mais uma etapa, que por sinal, é a última, de acordo com Platão e, nesse quesito, confesso confiar mais nos gregos: o ensinamento. Heróis e heroínas, todos nós, em algum momento, seremos, mas, para ser memorável, é preciso ajudar o outro.

É claro que é possível, passadas as etapas anteriores, viver em liberdade, o que pode ser mais vantajoso, pois, ao tornar-se mestre, o indivíduo terá que se acostumar a viver em estado de perda constante.

Tal qual a mãe que perde um filho, nenhum discípulo poderá substituir aquele que já seguiu o seu caminho, o que acarreta um vazio que não pode ser preenchido. Por fim e, eternamente sozinho, o sujeito retorna constantemente ao início, onde há, como já aprendemos, apenas o Nada.

3 Comentários

  1. Lucas Pereira Almeida

    BBB é uma prévia para que as pessoas aprendam a julgar comportamentos de forma natural (sem receios ou respeito a idividualidade humana) na nova ferramenta que há de vim Score Social.

  2. Lucas Pereira Almeida

    Correção do comentário anterior *que há de VIR*

  3. Gláucio Ramos Pereira

    Muito bom!

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