Anitta e a vista grossa seletiva de momento

Milton Nascimento disse que a música de massa estava uma porcaria. Teve que se retratar junto à classe artística, que se sentiu ofendida pela realidade. Porque o importante mesmo é ter seguidores e investidores para perpetuar o jabaculê e manter os artistas num patamar acima do bem e do mal.

Ricardo Pecego

Deparei-me nas redes sociais com publicações de grandes personalidades inserindo suas imagens numa montagem em frente a um ônibus. Os dizeres do ônibus indicavam a origem ou uma característica desta pessoa. Não entendi até se tornar bem repetitivo. Percebi que todas as publicações marcavam a cantora Anitta.

Então compreendi que ela vai lançar algo novo.

Tristeza, tristeza, tristeza.

A fabricação de ídolos brasileiros é uma grande engrenagem, que movimenta muito dinheiro, corrupção e difunde o que de pior tem a classe artística e as celebridades nacionais: a vista grossa seletiva de momento, ou VGSM.

Anitta é sem sombra de dúvidas uma ídola fabricada. Acredito, mas não afirmo, que talhada e esculpida sobre o sombrio jogo do jabá.

Em boa parte do Brasil, jabá ou jabaculê também é o nome dado à propina paga para rádios, televisões e meios de mídia para que a música do artista toque repetidas vezes em sua programação, dando a impressão que aquela é a vontade dos ouvintes. Assim a audiência assimila que determinada música ou artista é um sucesso. Para os que acham que isso não é nocivo: este é o mesmo método utilizado no meio político, com as pesquisas eleitorais, buscando levar o eleitor ao voto útil e não ao voto convicto, um método clássico de manipulação das massas.

A vista grossa seletiva de momento é uma tática que permite que o artista possa transgredir regras, realize atos condenáveis e seja colocado num patamar social superior, acima do bem e do mal, pelo simples fato de ser artista.

Isso acontece há muito tempo e os exemplos que conhecemos melhor são das extravagâncias de artistas de rock, que destruíam quartos de hotel, que dirigiam alcoolizados, eram pegos com drogas ilícitas e seu comportamento poderia ser até violento que conseguiam se safar das punições. Muitos eram presos e soltos no dia seguinte, alguns colecionavam visitas semanais às cadeias, mas nenhum processo condenava seus atos.

Através da VGSM que isso é possível. No caso de Anitta, as celebridades utilizam do mecanismo quando ignoram o teor de suas letras, clipes, vídeos e postagens de Instagram, que denigrem e muito a imagem da mulher, a colocam como objeto de subserviência das vontades masculinas. Ela não vende música, vende apenas corpo.

Inúmeras feministas são suas fervorosas seguidoras (VGSM), já tem foto defronte do tal ônibus em seus perfis. Percebem como que para Anitta tal comportamento é permitido, ou “passa despercebido”. Como se isso fosse uma liberdade poética, mesmo sem poesia nenhuma. Na verdade esses ídolos “descabidos”, moldados desta maneira são um grande favor aos defensores do patriarcado machista, atrasando demais as necessidades e o engajamento do movimento feminista sério.

A mesma tolerância não é permitida para pessoas que não tenham este lastro “artístico” vinculado.

A equipe da artista faz toda esta movimentação de maneira ardilosa. Antes de lançar algo, a cantora se engaja em pautas responsáveis e importantes. Podem checar: ela já tentou ensinar política (início da pandemia, por um interesse próprio), depois defender a Amazônia e por aí vai. Este movimento amplifica o uso da VGSM, como se fosse preciso tolerar suas mazelas dado seu “engajamento” em ações que não teriam o alcance de público que ela tem. Basta rolar nas postagens de seu perfil de Instagram para perceber esse movimento. Não posso dizer que o engajamento da artista é falso, apenas demonstro como ele serve para abrandar os aspectos chocantes de sua música e performances.

É o mesmo movimento que a Globo vem fazendo com relação a cantora Karol Conka. No melhor estilo “recatada, do lar”, sem maquiagem e serena ela fez lançamento de um documentário relâmpago feito sobre sua rotina depois de ser expurgada no Big Brother. Foi no Saia Justa do canal GNT. O tema que o programa aproveitou, justificando a presença de Karol foi: rejeição. Desta forma não dava o aspecto exclusivo de promoção do documentário ao debate.

Tudo foi feito de maneira tão organizada e elaborada que conseguiram até a presença de Djamila Ribeiro, ícone da luta feminista e antirracista no Brasil, na bancada do programa como convidada especial. Isto se deu para que o prestígio de Djamila meio que “aprovasse” (apenas nas entrelinhas, não no discurso de Djamila), que Karol merecia a redenção ou uma dose cavalar de VGSM.

Tudo se encaixou de maneira perfeita. Lançou-se o documentário (com índice altíssimo de visualização) e uma semana depois, 5 de maio, na final do Big Brother, quem foi lançar música nova? Karol Conka!

Em setembro de 2019, Milton Nascimento, disse que a música de massa brasileira estava uma merda.

Indignado com as letras e a musicalidade do mainstream brasileiro, em entrevista à Folha de São Paulo. Ele, Milton Nascimento, teve que se retratar junto à classe artística, que se sentiu ofendida, pela realidade que extrapolou na entrevista. Deveriam se sentir prejudicados e ajudar o Bituca, engrossando o coro de que não dá mais para suportar o formato do jabá! Hoje não importa mais se o pretenso artista sabe as notas musicais, o importante é ter views, seguidores e investidores. A continuidade disso vai por fim a todos os que utilizam da VGSM.

Entendam que meu problema não é a Anitta lançar seus discos, clipes e afins. Tão pouco que Karol Conka tente novamente cantar. O problema principal, na minha opinião, são os artistas que usam e abusam de um jogo desonesto comandado pelo poder econômico de seus empresários, que utilizam a arte como muleta para um trabalho nada artístico. Aqueles que apoiam estas pessoas, oferecem lenha para que a fogueira permaneça acesa, onde apenas artistas sem talento conseguem espaço no circo que se tornaram nossas rádios e televisões.

Isso mutila nossa cultura. Precisamos ser mais críticos, nossa democracia enfraquece dia após dia. Quando se faz vista grossa ao jabá, e se vende a arte atrelada à sexualidade exagerada, a resposta social a esta normalização é a legitimação do machismo, da corrupção e do nocivo jeitinho brasileiro. Este é um prato cheio a qualquer governo autoritário que de toda maneira luta para exterminar a arte e os artistas verdadeiros, que não ficam à frente do ônibus parados fazendo pose, eles vão ao volante e nos conduzem pelos melhores caminhos.

1 Comentário

  1. Roberto Dantas

    Tecnologia atual é streaming digital 5g este é o futuro amigo Madonna, Beyoncé, Shahira, Rihanna, Card B, Nick Minaj,kate Perry, Britney Spears, Jennifer Lopez etc conseguiram sucesso devido às extraordinárias visualizações mais de 1 bilhão por clipe,sensualidade digital aqui ñ fica atrás carnaval, é o Tchan,boquinha da garrafa, Michel Teló, Wesley Safadao só duplo sentido como diria Ze Ramalho vida de gado povo marcado povo feliz Anitta é a aposta q deu certo pelos empresários americanos e latinos q ditam há décadas o q se ouve e comportamento desde Elvis Presley..infelizmente Ricardo sua crítica é uma gota no oceano de uma sociedade manipulada faminta por viverem como seus ídolos visto kardashian,Big brother, A fazenda,o povo se alimenta desta mídia atual .Anitta é a Carmen Miranda com menos roupas as americanas mudaram a preferência nacional dos seios para a região glutea aí me desculpe o Brasil é campeão da preferência agora internacional Anitta neste estilo é a melhor …Mas tb tem uma voz afinada e lindo timbre tanto q gravou até com Caetano Veloso ,águas passadas pois agora ela é do Rio Sam bye bye Brasil…Bob Dantas trumpet Jazz Rock…

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