O inquisidor dentro de nós

Até onde nossa tolerância consegue navegar nas redes sociais sem fazer juízo de valor? O inquisidor dentro de nós precisa de parâmetros.

O inquisidor dentro de nós

Imagem: Shahid Abdullah / Pixabay / Uso livre autorizado.

Ricardo Pecego

Até onde nossa tolerância consegue navegar nas redes sociais sem fazer juízo de valor? Posso dizer que a minha atualmente é mais curta do que antes da pandemia. Talvez pelo fato de estar mais frequentemente nas redes. Será?

Talvez, conforme busco, o que enxergava antes com certo brilho, hoje seja apenas opaco, obsoleto. Devo estar em plena evolução. Abstraindo do démodé e plantando a vanguarda! Como estar certo  que a evolução é nossa e a involução do outro? Será que somos a idolatria das nossas especulações?

Questionamentos e afirmações como estas percorrem obviamente não apenas a minha mente, mas muitas outras. Nem sempre está forma de pensar nos garante isenção, tão pouco nos transformam em seres menos julgadores. Observar o outro e analisar seus erros é o que fazemos com mais frequência. Nos tempos passados, quando apenas a Fifi que passava os dias na janela, fazendo ecoar sua opinião sobre a vida alheia tudo era mais leve. Contudo hoje temos em nossas redes, quando pouco, mil janelas abertas passando em nossas timelines. Espantoso é como avaliamos seus conteúdos em segundos num tribunal aberto onde somos juízes passionais.

Detalhe que não nos contentamos em opinar apenas a vida alheia daqueles com temos alguma relação. Extrapolamos nosso poderio para bravatas sobre qualquer assunto que julgamos importante, que detemos certo conhecimento, apreço ou ódio. Isso complica o meio campo e cria uma salada mista que faz das redes sociais a verdadeira zona de guerra que vai avaliar desde seu penteado, aos lugares que conheceu ou mesmo o filtro que utilizou no vídeo.

Sei que para não julgar precisaríamos ter todos a paciência de , pois não é fácil resistir à tentação quando você enxerga ativistas artificiais, que usam a internet para pagar de bicho grilo que humildemente anda de Iate. Tem aqueles que passam a vida fazendo coreografias ridículas e que cantam pequenos trechos daquelas músicas consideradas top. Existem os que falam top. O post patrocinado da corrente pela democracia e as correntes de oração com temas gospel ao fundo. E quando a gente assiste aquele influencer que copia outro que fez algo já copiado de outro que copiou? O dedo chega a clicar nos comentários de tanta vontade de criticar.

Não posso deixar de citar as pessoas que postam sempre a mesma coisa nos mais diversos ângulos possíveis. Tão pouco a solteira carente e o macho alfa gato em busca do verdadeiro amor. Tem o ativista de plantão que vende os stories para qualquer marca que lhe der uns trocos. Fico doido mesmo quando surgem os que pensam que defender o nazismo é opinião, e que merecem por isso ter seus direitos garantidos. Tem o pessoal do bom dia e lógico aquele escritor chato que aproveita dois parágrafos para dar alfinetadas. Será que a paciência de Jó resistiria?

Fato é que sem julgar não conseguimos estabelecer algumas vezes os parâmetros para nossa opinião, ou comparação entre as similaridades. Sem essa base nossas escolhas de vida podem ser muito equivocadas, prejudicando nossa interação social e mesmo a possibilidade de corrigir os erros e melhorar. Devemos é ter o bom senso de não viver em função das redes sociais, seja para julgar ou mesmo para geração de “conteúdo”.

Acho que dois fatores importantes podem auxiliar bastante no seu exercício de julgamento e tornar inclusive a tolerância uma parceira. O primeiro deles é praticar a comunicação não violenta. Saber como abordar as pessoas e expressar sua opinião sem tom agressivo, corretivo e cheio de soberba. Outro fator que considero primordial é olhar o teu próprio rabo. Parece um tanto óbvio, mas temos uma habilidade extrema de julgar o outro e achar que tudo que fazemos é exemplo. Esse orgulho natural do ser humano talvez seja um dos mais danosos sentimentos. Cultivamos há tantas gerações essa erva daninha que está enraizada em nosso DNA.

Não sei ao certo quando conseguiremos controlar tudo isso com a devida coerência, mas se fizermos nossas partes com a devida responsabilidade acredito que poderemos finalmente para de apedrejar o teto de vidro dos outros e juntar as pedras para reforçar nosso próprio alicerce.

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