Devaneios jornalísticos, golpe e cuidados de mãe
A genitora se preocupa com o uso da palavra genocida no vocabulário do filho, Bolsonaro trama o golpe e o jornalista começa a procurar embaixadas e estudar no Duolingo.
Após o golpe, a Embaixada da Venezuela deve ser um dos destinos mais procurados por brasileiros. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Num dia desses, estava eu trabalhando em meu eterno e solitário home office pandêmico, quando recebo uma ligação de minha mãe. Estava preocupada do outro lado da linha. À princípio, me assustei, imaginando que tivesse algo a ver com a Covid 19. Menos mal, quando soube que sua preocupação se referia a outra mazela: o presidente Jair Bolsonaro.
Ela não gosta, nem entende muito de política. Mas viu notícias sobre a perseguição que estava sendo feita contra pessoas que se referiam a Bolsonaro como genocida. Com a preocupação de mãe – e o olho sempre atento nas minhas redes sociais -, ela me pediu para que parasse de falar mal do presidente. Tinha medo de que algo ruim me acontecesse.
Eu disse a ela que não se preocupasse. Diferentemente do youtuber Felipe Neto, que conta seguidor a partir de milhão, minha audiência não ultrapassa duas centenas de pessoas. É pequena demais para que o gabinete do ódio se desse ao trabalho de bolar uma campanha de difamação ou que a Polícia Federal batesse na minha casa. A informei, inclusive, que se a PF fizesse isso, talvez não fosse uma ideia tão ruim: eu poderia multiplicar meu engajamento nas redes sociais e me candidatar a deputado nas próximas eleições.
Finalizei a conversa dizendo que, infelizmente, eu não poderia atender o seu pedido, pois, uma vez jornalista antifascista, era um dever meu combater gente como o presidente. Nem que fosse sentado no sofá, com o notebook sobre a mesa.
Dois dias após a chamada de minha mãe, quem me mandou mensagem pelo whatsapp foi um primo mais velho, nascido em Garanhuns, crescido em Palmeira dos Índios, casado no Recife, vivido em Salvador e Goiânia, e agora, separado pela segunda vez, de volta ao Recife.
Perguntou como eu estava, como andava o trabalho, os cuidados com a pandemia etc. E finalizou dizendo ter certeza de que no dia 31 de março próximo, Bolsonaro daria um golpe e se tornaria, de fato e de direito, ditador.
Eu procurei o tranquilizar. Não acredito em golpe. Pelo menos até a Semana Santa. Ia pegar mal rolar um derramamento de sangue, aumentando a via crúcis do brasileiro, no mesmo período em que Jesus foi crucificado.
Mas, sim, acredito que temos um golpe se encaminhando. Não nos moldes tradicionais do perfil brasileiro. Não protagonizado pelo Exército, com apoio dos Estados Unidos e de grandes nações.
O golpe que Bolsonaro pretende dar é típico das piores republiquetas de bananas, armando seus seguidores – ele já vem fazendo isso -, incitando-os ao ódio contra as instituições – todo dia ele faz isso e -, mais cedo ou mais tarde, conclamando seus seguidores a irem às ruas. Tal qual seu ídolo Trump, no atentado ao Capitólio, em janeiro último.
O que provavelmente teremos é uma pequena tragédia humana, com armas, tiros, mortes, aglomerações. E, no fim, o presidente perdendo a batalha, sendo deposto e preso.
Sim, é bem verdade que tudo isso pode não passar de meras elucubrações de um jornalista ocioso e pouco criativo. Pode ser, de fato, que nada aconteça e sigamos na mais tranquila anormalidade que vivemos desde o golpe de 2016.
Por via das dúvidas, vai que Bolsonaro ganha, não custa ter em mãos endereços de embaixadas e consulados próximos. E aproveitar o home office pra já ir treinando outro idioma no Duolingo.
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