Sou potiguar, mas sou Flamengo; e o título de 87 não é nosso
Torcer para o Flamengo não é uma questão de perder ou ganhar, é sobre pertencimento: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.
Eu não entendo de futebol. Minto. O básico talvez compreenda, mas toda aquela conversa de análise tática vai muito além do meu alcance. Não sei, por exemplo, se, em campo, um jogador está posicionado da maneira correta, ou até mesmo se está jogando bem, e isso pode ser percebido todas as vezes que afirmo gostar de William Arão, o que, verdade seja dita, se dá apenas por empatia, pois tendo a estimar os patinhos feios.
Apesar de não estar a par de todas as nuances do esporte mais popular do planeta, sou flamenguista, e muitos bairristas poderiam criticar, proferindo: “Como pode, uma potiguar?! Deveria torcer pelo ABC, pelo América, ou ao menos pelo Macau Esporte Clube!”, e eu diria: “Torcer eu torço por todos esses que citou, mas paixão, meu amigo, só sinto pelo rubro-negro mais querido do país, e isso se dá não porque eu escolhi, porquanto, ele quem me escolheu”.
Como é sabido, transmissões dos jogos nas redes de rádio e televisão permitiram que o Flamengo se popularizasse em todo o país. E isso começou na década de 40, quando o Brasil, assumindo aliança com os americanos, permitiu a instalação de duas antenas de alta captação para pegar sinais dos navios inimigos. Essas antenas foram posicionadas em Natal-RN e em Belém-PA, e além de empenharem-se na caça aos navios e submarinos hostis, também transmitiam jogos, via rádio, para o Norte e Nordeste. Desse modo, e como o Rio de Janeiro era a então capital do país, tudo o que acontecia por lá – e isso incluía as vitoriosas campanhas do Flamengo nos estaduais – se propagava por todo o país.
Depois vieram as parabólicas, transmitindo jogos do sul-sudeste com uma qualidade maior de sinal para as cidades do interior do país, o que, certamente, atraiu muitos torcedores, tanto para as bandas dos cariocas quanto para os paulistanos. Contudo, ainda em dias atuais, um paraibano tem muito mais acesso aos jogos do Flamengo e do Corinthians do que do Campinense Clube, por exemplo. O mesmo se estende para quase todo o Nordeste, com exceção apenas das capitais de Pernambuco, Bahia e Ceará.
Além disso – e esta sacada foi genial – lá pela década de 30, 40, o então presidente do rubro-negro carioca, José Bastos Padilha, organizou um trabalho de marketing associando o Mengão à identidade do povo brasileiro. Padilha estava surfando na mesma onda que o presidente Getúlio Vargas, quando o estadista, ao chegar ao poder em 1930, não tardou em dedicar-se à construção de uma identidade essencialmente brasileira, um processo cultural, e, sobretudo, político. Foi então que mais ou menos nessa época o Brasil se tornou o país da Carmem, do carnaval e da caipirinha, bem como da feijoada, do samba e do futebol – e perceba que eu disse futebol, afinal, Getúlio era torcedor do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
Logo, ser flamenguista me torna também um pouco mais brasileira. Pertenço a uma geração que acompanhou de perto cada lance da Copa de 94, e ao descobrir que eu sentia aquela mesma emoção todas as vezes que o rubro-negro entrava em campo, aí não teve volta, bateu! E olhe que com nove, dez anos, eu simpatizava bem mais com o Palmeiras, única e exclusivamente pela campanha publicitária da Parmalat, patrocinadora do time alviverde em meados dos anos 90 (“o elefante é fã de Parmalat, o porco com de rosa e o macaco também são…”).
Acredito, entretanto, que, apesar de enfeitiçada, sou uma flamenguista de mente aberta: ouvi atentamente os três lados (pois a galera do Santinha acha que também tem lugar de fala nessa conversa) e, até onde percebo, ‘87’ pertence ao Sport Club do Recife. Entendo até, mas isto é uma questão somente minha, que o Flamengo não merceia ter sido o Campeão 2020. Talvez pense assim por não ter havido aquele glamour da Era Jesus, feito que provavelmente não será superado tão cedo. Ademais, quem sabe a excitação em torno de um campeonato de pontos corridos ser decidido na última rodada tenha transformado o espetáculo em algo muito mais interessante do que a performance de um clube em específico.
De todo modo, o Flamengo foi campeão, e quanto a esse título, não há o que discutir. Com ou sem encanto esse é definitivamente nosso. Todavia, torcer pelo Flamengo – e isto qualquer flamenguista que se preze já sabe – não é uma questão de perder ou ganhar, é sobre pertencer a algo que estará sempre ao seu lado, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e, creio eu, até que a morte nos eternize.
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Muito legal!