Nelson Piquet e Nigel Mansell: a grana que ergue e destrói velhos pulhas

O que parece ser uma brincadeira, na verdade é mesmo uma disputa macho-recalcada para mostrar quem é O BOM. Um espetáculo de trapaças e jogadas sujas. Torcedor não liga para isso. A gente fica cego. E meio surdo. Mas estava lá o tempo inteiro, nítido e claro. O nosso ídolo tricampeão mundial de Fórmula 1 sempre foi um pulha.

Nelson Piquet e Nigel Mansell: a grana que ergue e destrói velhos pulhas

O empresário e ex-piloto de Fórmula 1, tricampeão mundial, Nelson Piquet, participa do programa Sem Censura, na TV Brasil. Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil / Reprodução autorizada de uso livre.

João Eurico Aguiar Lima

Lá pelos idos de 2012/2013, a Ford lançou o Ford Fusion GP. Era uma versão bem mais esportiva do já conhecido Ford Fusion. Para nerds e piston heads, um motor 2.4 com injeção direta. Ok, basta de nerdice. Vamos para o marketing.

Quem pode ser mais fortemente associado a um modelo GP do que alguns protagonistas de GPs? Por exemplo, Nelson Piquet e Nigel Mansell, ambos campeões mundiais da Fórmula 1. Que tal fazer um comercial com participação deles?

Ideia brilhante. O escore de 3 a 1 para o Brasil em Campeonatos Mundiais de Pilotos e de 31 a 23 para a Inglaterra em número de GPs ganhos. Beleza. A ideia é ótima, os caras precisam da grana, a Ford topa pagar.

Só teve um probleminha.

Eles se detestam. Desde sempre. Não chega a ser ódio, pois o poeta já disse que ódio e amor são apenas sabores do mesmo sentimento. É desprezo beirando ao asco mútuo. Não se suportam.

Outro poeta disse: “if the money talks, they’ll do the walk”. Que traduzindo para português de um jeito bem rasteiro e didático, é o nosso velho conhecido “em se pagando, tudo dá“.

Foi o que a grana fez. Aumentou-se e pagou. Os ex-campeões faturaram alto.

Justiça seja feita, o comercial ficou muito legal. O roteiro é simples. Um Fusion GP para cada um, um circuito e quem chegar primeiro ganha.

Com as câmeras ligadas.

Nessa hora deve ter passado pela cabeça deles: “peraí, eu vou ganhar uma grana legal para fazer esse mané comer poeira? Deus EXISTE! Sim, senhor! Quer a prova? Até agora alguém mencionou a palavra ‘regra’? Eu não vi!

Nem Piquet e nem Mansell fizeram questão alguma de esconder que o desprezo expresso era para valer. Não precisaram interpretar nada. E a coisa vai para a pista. E a Ford filmou tudo!

Engraçado que pouca gente viu ou sequer se lembra desse comercial. Dizem que na Inglaterra o final é diferente. Adivinha o que pode ficar diferente entre versões de cada país no final de um comercial sobre dois velhos pilotos que se odeiam apostando corrida com carro bacana?

Quando vi esse comercial pela primeira vez, achei engraçado.

Eu curtia muito F1. Estava nos meus vinte e poucos anos e F1 era sagrado todo domingo. E ficaria ainda mais na segunda metade da década de 80 e vocês sabem por quem… digo… que.

Ver dois grandes pilotos apostando corrida é muito legal. As referências, citações. Para quem curtia a F1 dos anos 80, é um banquete. Mas, aos poucos, eu comecei a enxergar um pouco mais além.

Quem for assistir ao vídeo e não quiser spoiler, pule esse artigo a partir de agora.

O vídeo apresenta os dois velhos ex-pilotos se agredindo verbalmente. Fossem quaisquer outros dois pilotos, as troladas seriam só isso. Mas estamos falando de Piquet e Mansell. As agressões verbais do padock na pista descambam para fechadas, trancadas, totós e chega-pra-lá ao longo da disputa filmada. Não é uma corrida. É um pega desses irresponsáveis que às vezes aparecem em vídeo na internet. Só que protagonizado por homens que durante muito tempo foram tratados como heróis nacionais.

Caramba, eu era muito fã de Nelson Piquet.

Eu tinha 16 anos e assisti ao vivo a corrida de Las Vegas. Tinha feito 328 contas das possibilidades de pontuação que dariam o campeonato a Piquet.

A corrida termina, torcedores e a imprensa cercam o carro. Piquet desce e sai correndo com um jeito meio raivoso de quem não quer muita conversa. Eu achei o máximo. Piquet lavava a alma da gente depois de ter sido roubado na decisão do campeonato anterior na terra do Alan Jones (transmitido ainda pela Band e o saudoso Luciano do Valle).

Piquet definitivamente era o meu herói.

No comercial da Ford, o que parece ser uma brincadeira, na verdade é mesmo uma disputa macho-recalcada para mostrar quem é O BOM.

E vale tudo. Sim. Vale tudo mesmo. O comercial é um espetáculo de trapaças e jogadas sujas, no vale tudo para ganhar a corrida. Poderia ser uma coisa genuinamente divertida, uma tiração de onda. Mas no fim é só isso mesmo. Dois trapaceiros querendo levar vantagem em tudo, certo?

A trapaça é tanta que os comerciais têm finais diferentes. Um dos países foi enganado. Qual? Jamais saberemos. Então foram os dois.

Nelson Piquet era totalmente capaz de trapacear. Fez isso abertamente diversas vezes tentando burlar as regras que baniram os “carros asa” ou o famigerado “efeito solo” que foi aperfeiçoado pelo lendário Colin Chapman.

Torcedor não liga para isso. A gente fica cego. E meio surdo. Piquet em entrevista afirma ter vergonha de ter pais recifenses e, pior, ter nascido no Recife. Mentiu durante toda sua infância e adolescência em Brasília e dizia que tinha nascido no Rio de Janeiro. Falsificava o nome para poder correr de carro. Enganou o próprio pai.

Não que um ingênuo sobreviva muito tempo no ambiente competitivo da F1. Ali não é terra para inocentes.

Mas ao relembrar esses episódios antigos e os mais recentes envolvendo Nelson Piquet, principalmente suas declarações públicas racistas e preconceituosas, além de outras declarações políticas, dá sim um pouco de tristeza saber que um ídolo que tive na verdade é um ser capaz de coisas ainda piores do que uma trapaça em corrida. E olha que nem comecei a falar sobre seus negócios e empreendimentos escusos.

E estava lá o tempo todo para ser visto. Antigamente, aos domingos, sob narração de Galvão Bueno. Hoje em dia, no Jornal Nacional, narrado por um repórter político.

O nosso ídolo tricampeão mundial de Fórmula 1 sempre foi um pulha.

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